miércoles, 14 de noviembre de 2007

Elias e a tradição

Elias na tradição Judaica

É do conhecimento geral que o profeta "arrebatado" ao céu ocupa um lugar importante na haggada. Essa ilustra e amplia com elementos legendários, às vezes simplistas, e com considerações teológicas os textos bíblicos relativos à vida terrena de Elias; porém, se detém especialmente em seu arrebatamento e sua atividade celestial, sobre suas aparições na terra como benfeitor dos pobres e amigo dos humildes, como socorredor e libertador dos fiéis em toda situação extrema, como amigo dos sábios e estudiosos da Torah, devido o seu zelo por ela, e finalmente como precursor do Messias.
Quando o anjo da morte apareceu para levar Elias, este se encontrava conversando com Eliseu sobre a Torah. Como não lhe era permitido interromper o estudo [da Torah], Satanás se pôs na espera; porém, num relance, um carro de fogo puxado por cavalos de fogo se interpôs entre Elias e seu discípulo. Elias subiu nele e foi arrebatado ao céu em um turbilhão. Satanás foi então protestar diante de Deus pela não acontecida morte de Elias; porém antes de começar a falar, Deus o preveniu: "Eu criei os céus precisamente para que Elias pudesse subir a eles". O anjo insistiu e o Eterno permitiu que houvesse uma luta entre Satanás e Elias. O profeta saiu vencedor e pediu a Deus permissão para aniquilar a seu adversário. A permissão não lhe foi dada porque a derrota definitiva de Satanás deverá acontecer no final dos tempos (Zohar hadash Ruth 1, 1; Sepher Elijahu, p. 19).
Esta idéia da translação, inclusive corporal, seguiu sendo a mais comum (cf. Pesiq. 9 [séc. II]). “Se Adão não tivesse pecado, ficaria sempre vivo?”, pergunta-se o rabino Jehuda bar Hai, e ele mesmo responde: "É exatamente o que aconteceu com Elias porque este não pecou".
Porém em outros textos (cf. Zohar Bresit, 137; Sepher Ha-pardes, 24,4) se afirma que Elias deixou seu corpo material para tomar outro luminoso: "Como Elias pôde subir e habitar os céus que não sustentam nem um grão de trigo?". O rabino Simão bar Jochai responde: "Encontrei escrito: entre os que nasceram neste mundo, haverá um espírito que baixará sobre a terra e vestirá um corpo. O seu nome é Elias. Ele voltará a subir ao céu, seu corpo permanecerá no turbilhão e seu espírito revestirá um corpo luminoso para que possa habitar entre os anjos".
Recordemos a este respeito a refutação apresentada por S. Epifânio, justamente contra a idéia tão difundida entre os judeus, de que Elias era um anjo (PG, XLI, col. 976). Tampouco faltam textos que negam qualquer translação de Elias ao céu: "O segundo ano de Ocozias - dizia o rabino José bar Halaphta, discípulo do rabino Aqiba - Elias foi escondido [nignaz], e aparecerá de novo com a vinda do Rei Messias" (Seder Olam Rabba). Com o verbo nignaz, o rabino (do séc. II) insinua que Elias continua vivendo na terra, porém ocultamente. Esta parece ser a concepção de Flávio Josefo (Ant. IX, 2, 2), a das traduções dos Setenta e do Targum (2Rs 2, 1), e provavelmente do texto hebraico do Eclesiástico 48,9.
Entretanto, a opinião comum coloca Elias no céu ou no Paraíso, no alto, com os anjos, onde lhe estão confiadas várias incumbências: a de escrivão celestial (escreve os nomes dos justos e suas boas ações no livro da vida), a de guia das almas (está no caminho que leva ao Paraíso esperando as almas dos justos para acompanhá-las ao lugar que lhe é destinado), e a de intercessor em favor de Israel.
Elias, além disso, desce com freqüência à terra: "Se os cães latem alegres, é porque Elias não está longe; se os cães gemem tristemente, o anjo da morte se acerca" (Bab. Kam. 60b). Os relatos de suas aparições entre os homens constituem lendas, as vezes alegres e instrutivas, que inculcam o amor à justiça e a fé na Providência.
O rabino Kahana (séc. III) ganhava o sustento vendendo cestos às mulheres. Um dia, ao entrar numa casa, foi convidado a pecar; para fugir, subiu pela escada e se jogou do terraço. Porém Elias interveio para salvar sua vida. "Você me obrigou a me deslocar quatrocentas léguas", lhe disse Elias. E o rabino retrucou: "O que é que me conduziu a esta situação senão minha pobreza?". O profeta então lhe deu um jarro cheio de moedas de ouro (Midr. Prov., 9, 62).
Porém a função essencial de Elias é a de precursor do Messias. Esta crença se fundamenta na profecia de Malaquias (3,23-24), que há muito tempo era entendida neste sentido. Esta crença era comum entre o povo no tempo de Jesus, como o demonstram as numerosas perguntas sobre a vinda de Elias (Mt 17,10ss. e lugares paralelos; Lc 1,17; Jo 1,21.25). É estranho que os apócrifos não contenham nenhuma predição sobre a função do precursor: unicamente se diz que então aparecerão os homens que estavam mortos (IV Esd 4,26; II Bar 13,3).
A tradição rabínica, pelo contrário, atribui a Elias uma atividade considerável nos primeiros atos da restauração (cf. a este respeito os numerosos textos oferecidos por H. Strack-P. Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament, aus Talmud und Midrash, IV München 1928, p. 779-98; J. Bonsirven, Le judaïsme palestinien..., I, Paris 1935, p. 357-59; M.-J. Strassny, v. bibl.).
Para os judeus, Elias não é um personagem do passado: está presente e acompanha Israel em seu longo e penoso peregrinar; está vivo na piedade judaica individual, como o mais próximo e familiar dos protetores celestiais. No rito da circuncisão, ainda hoje em dia, se deixa sempre um lugar vazio: é o lugar de Elias.

Elias e sua vida

A figura de Elias

O próprio nome Elias, que significa "Yahweh é Deus" ou "Yahweh é meu Deus", já expressa seu caráter e sua função na história bíblica. Ele foi um campeão do monoteísmo de Yahweh. É ele quem mantém a fé em Yahweh entre o povo e quem luta com vigor pelos Seus direitos. Sua árdua luta contra todo sincretismo religioso faz deste profeta, que "surgiu como fogo e cuja palavra queimava como uma tocha", uma figura de primeira linha na sucessão das duas Alianças. Enquanto o livro do Eclesiástico (48,1-11) canta suas glórias, os livros dos Reis nos contam sua vida de forma ampla. Nesta narração distinguem-se dois ciclos: "o ciclo de Elias" (1Rs 17 - 2Rs 1,18), que se centra na atividade do profeta, e o "ciclo de Eliseu" (2Rs 2-13), que começa com o arrebatamento de Elias, momento em que Eliseu o sucede.

Originário de Tesbi, Elias exerceu seu ministério no reino do Norte, no século IX a. C., em tempos de Acab e de Ocozias.

Primeiro descendente da família de Amri, Acab, que subiu ao trono no ano de 874 a. C., havia desposado Jezabel, filha de Etbaal, rei de Tiro e grande sacerdote de Astarté (1Rs 16,31). Acab pagou as vantagens políticas dessa união submetendo-se à vontade de Jezabel, que demonstrou dominar seu marido impondo-lhe violentamente o culto à Baal e fazendo-o matar a Nabot, que o impedia de estender suas propriedades na zona de Jezrael (1Rs 21,1-16).

Nestas circunstâncias chega Elias, enviado pelo Senhor, para anunciar a Acab a lei do talião (1Rs 21,21-24), lei que depois, por causa da penitência pública do rei, foi aplicada somente à sua mulher e aos seus filhos (1Rs 21,29; 2Rs 9,7-10.26.36-37). A ira de Jezabel contra Elias se desencadeia com a matança dos profetas de Yahweh (1Rs 18,4.13; 19,10). Elias respondeu anunciando uma seca de três anos, durante os quais ele se refugiou primeiro na torrente de Carit, na Transjordânia, onde os corvos o alimentaram, e depois em Sarepta, 15 quilômetros ao sul de Sidônia, onde uma viúva lhe deu de comer; Elias multiplicou milagrosamente o azeite e a farinha dessa viúva e também ressuscitou seu filho (1Rs 17).

A prova indiscutível de que "o Senhor é o verdadeiro Deus" acontece no confronto que Elias estabelece com Baal de Jezabel, em um lugar que uma antiga tradição situa em El-Muhraqah, a sudeste do monte Carmelo. No momento em que Elias rezava, um raio queima o holocausto oferecido a Yahweh, enquanto que os gritos, as danças e as mutilações dos 450 profetas de Baal não obtinham resultado algum. Como conseqüência disto os profetas do ídolo são degolados junto à torrente Quison (1Rs 18). Para evitar a vingança de Jezabel, Elias deve fugir para o sul, onde é milagrosamente alimentado por um anjo e alcança o monte Horeb. Já no cume de Gebel Musa, numa teofania recebe uma tríplice missão: a de investir Hazael como rei de Damasco, a Jeú como rei de Israel e a Eliseu como profeta (1Rs 19). Morto Acab (852 a. C.) num combate em Ramot de Galaad, (1Rs 22,1-40), lhe sucede seu filho Ocozias. E quando este, após sofrer um grave acidente, envia mensageiros para que consultem a Baal-Zebub, deus de Acaron, se irá sarar, Elias intervém novamente e lhes anuncia a morte do rei (2Rs 1,2-4).

Chegando ao fim de sua vida, Elias deixa Gálgala, acompanhado por Eliseu e um grupo de profetas, faz paradas em Betel e Jericó. Ao rio Jordão atravessa a pé enxuto, dividindo as águas com seu manto. Apenas Eliseu, destinado a sucedê-lo, é quem o segue. O fim misterioso de Elias é descrito como um arrebatamento por um carro de fogo (2Rs 2,2-13). Desta descrição se originou a antiga crença hebraica de que o profeta haveria de regressar antes do "Grande dia de Yahweh" ou da "parusia" do Messias, crença que encontrou eco inclusive entre os Padres da Igreja e entre escritores eclesiásticos (Mc 6,14-16; 9,11; Lc 9,7ss.; Jo 1,21; Enoc etíope 89,52; 90,31; IV Esdras 6,26; Justino, Dial. 8,4; 49,1).

O prudente parecer expressado por Flávio Josefo (Ant. IX, 2, 2): "Elias desapareceu dentre os homens e, até o dia de hoje, nada se sabe sobre sua morte", e sobre tudo a atitude de Jesus, relatada nos Evangelhos, nos leva a considerar a descrição do arrebatamento de Elias como um caso de êxtase profético de Eliseu para significar a especial assistência divina na morte do profeta. Na realidade, o fim de Elias está descrito tal como apareceu aos olhos de Eliseu (cf. 1Mac 2,58) que foi o único que presenciou: Elias desapareceu em um turbilhão. O mesmo verbo laqah (=tomar), usado para indicar o arrebatamento de Elias, expressa em outros lugares a intervenção de Deus na morte serena do justo (Gn 5,24; Salmo 49,16; Is 53,8). Os demais elementos são simbólicos: pensa-se, por exemplo, na visão que teve S. Bento da alma de sua irmã, Santa Escolástica, que voava ao céu como uma pomba, no mesmo dia de sua morte.

Em Malaquias 3,1-24 (hebr. 4,5ss) se diz que Elias virá como precursor do Messias. Esta profecia se realiza em João Batista (Lc 1,17), que é o precursor profetizado (Mt 11,10; 17,10-13). Ele encarnou o "caráter forte" de Elias, o qual foi tão só sua figura. Também Jeremias (23,5) e Ezequiel (34,23) preanunciaram o Messias chamando-o "meu servo (de Yahweh), Davi".

Na transfiguração de Jesus no Tabor, Elias aparece junto com Moisés (Mc 9,2-8; Mt 17,1-8; Lc 9,28-36), também favorecido por uma teofania no Sinai. Elias permanece ligado a Moisés na Antiga Aliança, da qual um é o legislador que a conclui, e o outro é o profeta que a conserva intacta e pura. A presença de ambos no Tabor é destinada a testemunhar, na antecipada exaltação de Jesus, que a nova Aliança é o coroamento da Antiga.

Elias, finalmente, é apresentado também no NT como modelo de oração eficaz. (Tg 5,17).
Tarcisio Stramare